IMUNOTERAPIA Dr. Ricardo Veronesi

Imunoterapia:  o impacto médico do século 

- Dr Ricardo Veronesi 

Publicado originalmente na revista Medicina de Hoje 

Março de 1976 – páginas 194 a 200 

Assunto: Imunologia/Imunoterapia  

Sobre Dr. Ricardo Veronesi 


Professor de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, da Faculdade de Medicina de Jundiaí e da Faculdade de Ciências Médicas de Santos; membro do Comitê de Peritos em Doenças Bacterianas da Organização Mundial de Saúde; Presidente do Comitê de Doenças Infecciosas, da Panamerican Medical Association; Chairman do Comitê Latino-Americano de Medicina Tropical da Associação Médica Panamericana; Consultor da Academia de Ciências dos Estados Unidos; e editor-coordenador do livro Veronesi – Doenças Infecciosas e Parasitárias. 

 

RESUMO 

 

Foi feita uma análise das perspectivas que se vislumbram para a aplicação prática dos conhecimentos atuais da moderna imunologia. Os campos da medicina em que esses conhecimentos se aplicam são praticamente ilimitados, e muitos deles ainda não foram explorados. No momento, já se demonstram, em animas de laboratório ou em patologia humana, as profundas implicações dos três setores do sistema imunológico de defesa do organismo, em variadas entidades mórbidas, incluídas, entre elas, as infecciosas, parasitárias, neoplásicas, degenerativas e auto-imunes. Alguns exemplos de doenças em que se estudou a imunoterapia foram apresentados e comentados. 

 

Para facilitar ao leitor, a matéria foi distribuída didaticamente pelos seguintes itens: 

 

1. Formação e desenvolvimento do sistema imunitário na espécie humana. 

 

2. Formação e diferenciação dos elementos celulares envolvidos nos mecanismos imunitários. 

 

3. “Defeito” do sistema imunológico e sua importância em patologia humana. Esta parte foi ilustrada com exemplos específicos de algumas entidades onde se acumulam maiores experiências na imunoterapia. 

 

4. Influência da subnutrição, idade e gravidez no sistema de defesa imunológica. 

  

Introdução 


Os modernos conceitos imunológicos e suas implicações na patologia humana irão acarretar, seguramente, um impacto maior que o causado com o surgimento dos antibióticos nas décadas de 40 e 50. Em verdade, os antibióticos têm seu campo de ação quase que limitado às doenças infecciosas, principalmente as bacterianas, enquanto a imunoterapia específica e inespecífica abrange horizontes bem mais amplos, quase não restando nenhum campo da patologia humana em que a imunologia não tenha maior ou menor participação em seus mecanismos patogênicos.


Doenças infecciosas e parasitárias, neoplásicas, degenerativas e doenças auto-imunes têm, todas, uma participação decisiva do sistema imunitário em sua iniciação, evolução, controle e cura ou morte.


Quase não encontramos especialidade médica que possa, hoje, dispensar os conhecimentos da moderna imunologia para melhor atender os mecanismos íntimos, fundamentais, das doenças. Infectologia, Cardiologia, Nefrologia, Hepatologia, Gastrenterologia, Cirurgia, Oncologia, Dermatologia, Oftalmologia, Hematologia, Fisiologia, Hansenologia, Nutrição e Geriatria são, entre outras, as especialidades intimamente envolvidas nesses modernos conceitos imunológicos. Os conhecimentos que rapidamente se acumulam nesse setor terão papel importantíssimo na prevenção, correção, limitação, controle ou cura de inúmeras doenças catalogadas nas especialidades mencionadas. Sarampo, rubéola, herpes simples e zoster, hepatite por vírus, tuberculose, lepra, brucelose, mononucleose, verrugas, toxoplasmose, leishmanioses, blastomicoses, doença de Chagas, malária, doença de Crohn, linfomas, carcinomas, leucemias, aterosclerose, artrite reumatológica, lúpus eritematoso, doenças auto-imunes (várias), candidíase generalizada são, entre outras, as doenças em que se tem demonstrado a possibilidade de intervindo, no setor imunitário, curar ou impedir a sua progressão. 

 

Para facilitar a compreensão desses conhecimentos, apresentaremos, numa seqüência didática, os elementos fundamentais implicados na dinâmica imunológica, desde sua origem, diferenciação e, finalmente, sua atuação na imunopatologia humana e animal, incluindo as possibilidades da imunoterapia específica na correção dos defeitos imunológicos detectados.


Origem e diferenciação do sistema imunitário na espécie humana 


A origem do sistema imunitário confunde-se com a origem dos primeiros órgãos linfóides, constituídos pelo timo, baço, gânglios linfáticos e tecido linfóide intestinal, órgãos ou agrupamentos de tecidos que constituem o chamado sistema linfóide. 


O timo se forma à custa do intestino primitivo, aos 84 dias da embriogênese; o baço e gânglios linfáticos aos 140 dias; e o tecido linfóide intestinal aos 175 dias. Há uma correlação direta, na filogênese animal, entre o período de gestação e o surgimento do sistema linfóide. 


Acredita-se que a Bolsa de Fabricius, órgão importante na diferenciação dos linfócitos nas aves (e que se encontra junto à cloaca das mesmas), se localize, na espécie humana, no tecido linfóide intestinal, placas de Peyer e apêndice.

 

Os elementos celulares (linfócitos) originam-se no embrião humano, nas ilhotas sanguíneas do saco vitelino e do tecido hemopoiético do fígado, enquanto, no adulto, se originam na medula óssea. A regeneração do tecido linfóide se faz à custa de células indiferenciadas da medula óssea (célula-mãe, totipotente). A diferenciação dos linfócitos se fará no timo e nos folículos linfóides do intestino e, através desse processamento, os linfócitos estarão aptos a participar, por mecanismos diferentes, das reações imunológicas responsáveis pela homeostase, vigilância imunológica e equilíbrio funcional dos componentes do sistema imunológico de defesa do organismo. Esse sistema imunológico repousa, essencialmente, na imunidade mediada por células, na imunidade mediada por anticorpos e na atividade fagocitária dos macrófagos de tecido retículo-histiocitário. E através do processamento do timo e no equivalente à bolsa de Fabricius que os linfócitos passam a participar da imunidade mediada por células (linfócitos T ou timo-processados) ou da imunidade por anticorpos (linfócitos B ou bolsa-processados) (fig. 1). Ambos os linfócitos apresentam íntima interação através de enzimas (linfocinas), podendo tanto estimular como inibir a ação um do outro. Também, tanto o linfócito T como o B atuam sobre os macrófagos desejados, assim como estimulando-os em suas várias funções que enumeraremos mais adiante.

 

O linfócito timo-processado passa a ser antígeno sensível, especifica ou inespecificamente, ocorrendo, em função dessa sensibilização, a chamada transformação blastóide, em que ocorrem alterações estruturais na célula, acompanhadas de atividades blásticas e síntese de RNA e DNA (fig. 2). Há métodos de laboratório para detectar essas transformações e, dessa maneira, diagnosticar qualquer defeito, funcional ou estrutural, dos elementos. Após a transformação blastóide, o linfócito T se transforma no pequeno linfócito sensibilizado que se responsabiliza pela imunidade mediada por células e que tem como manifestações fundamentais:


1) hipersensibilidade retardada (P.P.D., Mitsuda, Montenegro, D. N.C.B. levedurina, etc); 


2) rejeição de enxertos heterólogos; 


3) produção de enzimas atuantes nos outros setores do sistema 

imunológico (linfocinas), tais como S.R.H., granulócitos, linfócitos B e gânglios linfáticos. 


Para testar a normalidade funcional do sistema no setor T podemos lançar mão de: 

 

1) Testes cutâneos de hipersensibilidade retardada, tais como reação ao PPD, D.N.C.B. (di-nitro-cloro-benzeno), levedurina, tricofitina, Mitsuda e outros.


2) Estimulação ou desencadeamento da atividade blástica (transformação blastóide) à custa da fito-hemaglutinina (substância vegetal extraída do feijão). A atividade blástica pode ser detectada através da síntese de D.N.A. (medida pela captação de timidina títrica H³), ou pela contagem de células em divisão (índice mitótico).


3) Pela identificação do M.I.F (Migration-Inhibiting Factor), uma substância protéica sintetizada e liberada pelos linfócitos sensibilizados e capaz de inibir a migração dos macrófagos na área onde estão os linfócitos sensibilizados. O fator M.I.F. pode ser detectado precocemente (dentro de 6 horas), antes que se positivem os testes 1 e 2. 

 

4) Pela identificação de outras linfocinas. Existem mais de 24 linfocinas produzidas pelos linfócitos T. (Fig.2) 

 

 

Linfócito B (ou bolsa-processado) 


Este linfócito, à semelhança do linfócito T, é antígeno sensível, transformando-se em contato com o antígeno, em célula blástica (plasmoblasto), precursora da linhagem plasmática (plasmócitos e células da memória). As células da memória da linhagem plasmática (B), como as da linhagem linfoblástica (T), são capazes de reter a “imagem antigênica” por muitos anos e de reagir com o antígeno que a sensibiliza. (Fig. 2 e 3). As células da memória B elaboração anticorpos ao constatarem novamente o antígeno (efeito de reforços) e as células da memória T se responsabilizarão pela positividade da reação de hipersensibilidade retardada e rejeição de enxertos quando constatarem novamente o antígeno sensibilizante. 


Os plasmócitos são, por excelência, as células produtoras de imunoglobulinas (IgE, IgM, IgA, IgD, IgE) que respondem pela imunidade mediada por anticorpos.


Tanto a imunidade mediada por anticorpos como a mediada por células podem ser benéficas, favoráveis ou, ao contrário, maléficas, prejudiciais, responsáveis por inúmeros processos imunológicos (ex. doenças auto-imunes). 


Sistema retículo-endotelial (ou retículo-histiocitário), S.R.H. 

Este componente do sistema imunológico é, provavelmente, o mais importante dos três, funcionando, todavia, em intima interdependência com os sistemas T e B, que influem, profundamente, em sua fisiologia através de enzimas por eles elaboradas (linfocinas). Assim, as enzimas linfocitárias tanto podem estimular como inibir o S.R.H., influindo no controle, limitação ou erradicação do processo mórbido, seja ele de natureza virótica, bacteriana, neoplásica ou auto-imune.

 

O sistema R-H é constituído por células macrofágicas dotadas de intensa capacidade de fagocitar, lisar e eliminar substâncias estranhas, quer vivas quer inertes. A localização do sistema R-H é demonstrada na figura 4.


As células macrofágicas se originam de monócito da medula óssea, de onde são lançadas na corrente sangüínea para, finalmente, colonizar os tecidos e órgãos (concentradas principalmente na pele, peritônio, pulmões, ossos, sinusóides hepáticos (células de Kupfer) e sinusóides linfáticos). Os macrógagos podem ser estacionários ou errantes, conforme se demonstra na figura 4. Todavia, admite-se que macrófagos estacionários (tissulares) possam migrar através da parede dos sinusóides, tornar-se, assim, livres e penetrar na região sede do processo inflamatório. 


As principais funções do sistema R-H são: 


1) Clearance de partículas estranhas provenientes do sangue ou dos tecidos (inclusive células neoplásicas), toxinas e outras substancias tóxicas. 


2) Clearance de esteróides e sua biotransformação. 


3) Remoçaõ de microagregados de fibrina e prevenção de coagulação intravascular.


4) Ingestão do antígeno, seu processamento e ulterior entegra aos linfócitos B e T. 


5) Biotransformação e excreção do colesterol. 


6) Metabolismo férrico e formação de bilibirrubina. 


7) Metabolismo de proteínas e remoção de proteínas desnaturadas. 


8) Destoxificação e metabolismo de drogas. 


Respondendo por tantas e tão importantes funções, fácil é de se entender o papel desempenhado pelo sistema R-H no determinismo favorável ou desfavorável de processos mórbidos tão variados como sejam os infecciosos, neoplásicos, degenerativos e auto-imunes. 

 

 

Defeitos do Sistema Imunológico e sua Importância na Patologia Humana 


Doenças infecciosas e parasitárias

Quando o organismo humano ou animal é agredido por agentes infecciosos ou parasitários, é acionado o sistema imunitário, em seus vários compartimentos, a fim de destruir ou neutralizar o agressor. Tanto a imunidade mediada por células, como a mediada por anticorpos, complementadas ao final pelos macrófagos, são movimentadas para impedir a ação patogênica do agente invasor. Conforme a natureza do agente etiológico, variará o setor mais importante de defesa, ora sendo os anticorpos humorais (como, por exemplo, o polivírus), ora os anticorpos secretórios (IgA), ora a imunidade mediada por células, complementadas pela fagocitose dos macrófagos e dos micrófagos (polimorfonucleares neutrófilos). 


Além dos anticorpos, são movimentados outros elementos humorais com capacidade de neutralizar os vírus ou, indiretamente, favorecer ou auxiliar a ação dos elementos de defesa do sistema imunitário. Assim, são produzidas, pelos linfócitos T, 24 linfocinas, entre elas o interferon, o M.I.F., as linfotoxinas, a IgA. 


Certos vírus não são destruídos pelos anticorpos humorais, mesmo em grande quantidade no sangue. Desse modo, na síndrome da rubéola congênita, a despeito de títulos protetores de anticorpos anti-rubéola no sangue, o vírus rubeólico é isolado do sangue, humores e tecidos. Esta é uma demonstração inequívoca de que a imunidade mediada por anticorpos é insuficiente, no caso, para erradicar o agente patogênico. Tais indivíduos apresentam um “defeito” imunológico no setor dos linfócitos T, diagnosticados pelos testes que descrevemos. Através da correção do “defeito”, os macrófagos são ativados e a fagocitose é estimulada, destruindo o vírus. O mesmo fenômeno se observa na panencefalite subaguda esclerosante, onde o patógeno parece ser o vírus do sarampo, persistente no S.N.C., em conseqüência de um “defeito” no setor T-RH. Através da imunoestimulação ou de introdução de fator de transferência nesses indivíduos, a evolução da doença poderá ser bloqueada. No herpes simples recidivante (labial ou genital) também os testes imunológicos detectam “defeito” no setor T-H, enquanto o setor B permanece funcionalmente perfeito (formação de anticorpos humorais). A literatura está cheia de observações de curas de herpes recidivante pelo tratamento com imunoestimulante do tipo de Levamisole-tetramisole. Igualmente se beneficia desse tratamento o herpes-zoster


Como o tratamento imunoterápico ativo sempre leva mais de quatro semanas para ser eficaz, é indicado o tratamento antiviral específico (quando disponível) enquanto se aguarda o efeito de imunoestimulador. Assim, a Cytarabina está indicada como substância antiviral na fase aguda do herpes, quer simples quer do zoster.


Hepatite por vírus

Existem muitas observações de que a persistência do vírus da hepatite do tipo B (HBAg ou antígeno Au) é responsável pelo quadro de hepatite crônica agressiva que conduz, finalmente, a um quadro de cirrose hepática. A persistência do antígeno HBAg seria condicionada por um defeito no setor T-RH, defeito este que poderá ser remediado através de imunoestimulação ou inoculação de F.T. Também o defeito no setor T condicionaria uma menor inibição dos linfócitos B e, conseqüentemente, uma maior produção de auto-anticorpos responsáveis pelo mecanismo de auto-agressividade da entidade. 


Verrugas por vírus

É uma virose cutânea causada pelos papovavírus e caracterizada pelas recidivas freqüentes e curas, espontâneas ou com auxílio de “benzeduras”, amuletos e “rezas”. A persistência ou recrudescência do vírus também está condicionada a um defeito no setor T-RH. 

 

Através da imunoestimulação com drogas do tipo Levamisole-tetramisole, têm sido curados, em quatro a seis semanas, esses tipos de verrugas. A recidiva é evitada pelo prolongamento da imunoestimulação (12 meses) ou pela correção do defeito fundamental (imunodepressão endógena ou exógena: por drogas, por fatores psíquicos (depressões), por fatores estressantes, velhice, etc). 

 

Toxoplasmose

Tomando a toxoplasmose como modelo, podemos, por extensão, extrapolar as experiências que já se fizeram com esta doença para outras entidades infecciosas ou parasitárias em que os mecanismos imunopatogênicos fundamentais são semelhantes. Assim, sabe-se, por experiências em animais de laboratório, que o toxoplasma gondii se assesta e se reproduz no interior de células retículo-histiocitárias, graças à elaboração de uma enzima que impede a união do fagossoma com o lisossoma, união esta indispensável para que ocorra a fagocitose e lise dos organismos intracelulares. Todavia, através de imunoestimulação nos três setores T. B e R:H, ocorre a fusão das organelas e o T. gondii é fagocitado mais intensamente e lisado pelo macrófago. Explica-se, assim, o porquê do surgimento de toxoplasmose em imunodeprimidos (por neoplasias, corticosteróides, gravidez, drogas, fatores genéticos, etc.) e abrem-se novos horizontes terapêuticos pela associação de quimioterápicos à imunoterapia estimulante inespecífica. 

 

Hanseníase

Sempre constitui uma curiosidade científica o conhecimento dos fatores determinantes das várias formas de hanseníase. Por que a grande maioria dos indivíduos que entram em contato com o M-leprae são apenas infectados e desenvolvem sólida imunidade, principalmente relacionada à imunidade mediada por células? Por que uma ínfima minoria contrai a doença e apenas uma pequena parcela é vítima da temívellepra lepromatosa, contagiante, mutilante, resistente aos quimioterápicos, enquanto a outra parte contraí a lepra tuberculóide, benigna, não contagiante? 

 

Sabe-se, hoje, que os fatores determinantes estão subordinados ao sistema imunológico e que a forma L-L (virchowiana) é condicionada à presença, no soro de tais indivíduos, de uma enzima inibidora da transformação blastóide dos linfócitos T. Tal inibição impede a elaboração de linfocinas que estimulam o sistema macrofágico (R:H) e, igualmente, a imunidade mediada por células (tais indivíduos são Mitsuda-negativos). Tornou-se, assim, possível a cura ou bloqueamento da evolução da lepra lepromatosa pela imunoestimulação ativa, inespecífica, através do BCG, Levamisole-tetramisole, e outros, ou, ainda, pela inoculação do fator de transferência, capaz de reverter à positividade os testes de hipersensibilidade retardada, antes negativos. 

 

Os modelos mencionados (lepra e toxoplasmose) podem ser extrapolados para inúmeras doenças infecciosas e parasitárias, tais como: leishmanioses, tripanosomíase americana (doença de Chagas), blastomicoses, malária, tuberculose, esquistossomose, brucelose, linfoma de Burkitt. 

 

O mecanismo imunitário de defesa é comum a todas essas doenças, apenas variando a natureza e composição antigênica do patógeno. Através de uma combinação ou alternância adequada de quimioterápicos e imunoestimulantes, poderá o médico, no futuro, vislumbrar perspectivas mais otimistas para doenças infecciosas e parasitárias, até então de difícil ou nenhum tratamento eficaz. 

 

Doenças Malignas

A imunidade mediada por células está “defeituosa” na maioria dos indivíduos com doenças neoplásicas, sendo o defeito reversível pela inoculação de fator de transferência ou imunoestimulação, específica ou inespecífica. 

 

O “defeito” imunológico pode ser primário, isto é, transmitido pelo código de genética, ou secundário, em conseqüência de fatores imunodepressores, endógenos ou exógenos. 

 

A favor do “defeito” primário falam as observações de famílias com vários casos de leucemia, câncer, linfomas, etc. 

 

Os fatores secundários podem ser encontrados em drogas imunodepressoras, radioterapia, stress psíquico (depressões), subnutrição, velhice, gravidez, etc. 

 

A localização do “defeito” está, fundamentalmente, no setor T-R:H, conforme o 

demonstram os testes imunológicos. 

 

A imunoestimulação antineoplásica pode ser específica ou inespecífica. A imunoestimulação antineoplásica específica se faz à custa da própria massa tumoral do hospedeiro que poderá ser, inclusive, marcada com radioisótopos de atividade anti-humoral e com tropismo especial para o órgão afetado. 

 

A imunoestimulação antineoplásica inespecífica se faz à custa de antígenos de composição antigênica diferente da tumoral, mas que atuam pelo estímulo da fagocitose pelo sistema R:H. Estes fagocitam e lisam,indistintamente, as substâncias estranhas que ingerem, inclusive as células neoplásicas. 

 

O engolfamento das células neoplásicas poderá ser facilitado pelas opsoninas, imunoglobulinas que parecem ter seu papel ressuscitado na atualidade, juntamente com a nova conceituação imunológica das doenças. 

 

As primeiras indicações, convincentes, do papel da imunidade nas doenças malignas foram oferecidas pela observação de uma significativa baixa de incidência de leucemia em crianças vacinadas com BCG, quando comparadas com as não vacinadas. Posteriormente, a imunoestimulação passou a ser usada como terapêutica antineoplásica em vários tipos de neoplasias, surgindo, inclusive, outros imunoestimulantes inespecíficos como o Levamisole-tetramisole, o Corynebacterium parvum e outros. Hoje, em grandes centros de Oncologia da Europa e dos Estados Unidos, os imunoestimulantes são largamente usados, juntamente com as medidas clássicas antineoplásicas (cirurgia, irradiações, quimioterapia). Inclusive, a droga de escolha para o tratamento do melanoma maligno passou a ser a imunoestimulação pelo BCG, local (intralesional) e/ou sistêmico (intradérmico ou percutâneo) a cada quatro dias, no primeiro mês, e, posteriormente, a cada semana, durante vários meses, espaçando mais as doses após dois meses (bimensais e mensais). Em 1975 comparou-se, na Universidade da Califórnia (Divisão de Oncologia), a freqüência de recidivas de melanoma em operados, dos quais um grupo havia recebido, ao acaso, BCG, e o outro grupo, somente cirurgia. A conclusão foi categórica: a incidência de recidivas de melanoma quase se reduziu a zero entre os vacinados, enquanto permaneceu alta entre os não vacinados. O emprego de Corynebacterium parvum, em substituição ao BCG, parece trazer vantagens, principalmente porque o C. parvum é inativado, e não se corre o risco de Becegeite, mormente entre aqueles com intensa imunodepressão. 

 

Além do tratamento das doenças malignas já declaradas e, freqüentemente, em grau avançado, com metástases em vários órgãos, poderemos antecipar a imunoestimulação inespecífica fazendo uma imunoprofilaxia em todos aqueles que, submetidos aos testes imunológicos, apresentarem algum “defeito” imunológico. Independentemente da origem do “defeito” imunológico, genética ou adquirida, transitória ou permanente, esse indivíduo será declarado sob “alto risco” e candidato, assim, a uma terapêutica corretiva (ativa ou passiva), com duração enquanto os testes indicarem a persistência do “defeito imunológico”. Concomitantemente, serão tomadas as medidas profiláticas possíveis para afastar os prováveis agentes etiológicos da imunodepressão (stress psíquico, má nutrição, anemia, drogas tóxicas, gravidez, etc). 

 

Com a ajuda de aparelhos de injeção intradérmica a jato (dermo-jet), poderemos realizar milhares de testes de hipersensibilidade retardada, em uma ou duas horas, e, desse modo, levantar o estado imunitário mediado por células e, até, por anticorpos, de várias entidades mórbidas e, inespecificamente, dos indivíduos sob “alto risco” para contrair quaisquer das doenças para as quais é suscetível e que poderão ser uma neoplasia, uma leucemia, uma hanseníase, ou uma das muitas doenças que mencionamos. Caberá ao clínico do futuro o papel de diagnosticar e corrigir os “defeitos imunológicos”, inclusive realizando, no consultório, os testes de hipersensibilidade retardada, agora padronizados e fornecidos em kits. Ao imunologista de laboratório caberá a feitura de testes mais refinados, como os de fito-hemaglutina, captação de timidina títrica, formação de rosetas. 

 

A imunoestimulação não oferece dificuldades, uma vez que os imunoestimulantes são de fácil manejo e os esquemas são muito simples. Acreditamos que em cursos de apenas seis meses, em pós-graduação, os clínicos estarão aptos a associar a imunoterapia à químio e radioterapia e colher resultados bem melhores que aqueles onde não se associa tal terapêutica.

 

O importante é atuar correta e oportunamente, conforme o “momento imunológico” da doença, evitando erros imperdoáveis, como os de fazer imunossupressão quando, em realidade, o que paciente está necessitando é de imunoestimulação. A oportunidade de tirar o máximo de proveito da imunoestimulação ou da imunodepressão também deve ser levada em alta consideração. Sabe-se que, enquanto não se reduzir a massa tumoral a menos de 106 células neoplásicas, ou leucêmicas, não será eficaz a imunoestimulação, e que é principalmente para as células metastáticas, localizadas em redutos inatingíveis e desconhecidos, que a imunoterapia tem a sua grande indicação. Desse modo, é necessário, inicialmente, realizar a extirpação da grande massa tumoral (cirurgia, quimioterapia, irradiações) e, depois, fazer a imunoestimulação. 

 

Doenças auto-imunes

Várias doenças de auto-agressão têm encontrado na moderna conceituação imunológica explicação para seus mecanismos imunopatogênicos e, desse modo, vêm se beneficiando da terapêutica imunológica. Num aparente paradoxo, a imunoestimulação do setor T tem oferecido resultados favoráveis no tratamento das doenças tidas como autoimunes, como a artrite reumatóide, a ileíte reginal de Crohn e a hepatite crônica agressiva. 

 

A explicação para tais resultados é dada pela ação inibitória dos linfócitos T sobre os linfócitos B encarregados à formação de auto-anticorpos. A estimulação dos linfócitos T acentuaria a inibição sobre os linfócitos B. 

 

Doenças degenerativas

O sistema R:H exerce papel importante na homeostase, inclusive dos lípides Dessa maneira, tem-se demonstrado, em animais, que o sistema R:H está implicado na produção e excreção do colesterol, quer endógeno como exógeno. Conclui-se, daí, que a hipercolesterolemia e, talvez, a aterosclerose dependem do perfeito funcionamento do sistema R:H, podendo ser reduzida a taxa de colesterol sangüíneo através da imunoestimulação do sistema, conforme experiências realizadas em ratos na Universidade de Tennessee. Estamos realizando experiências em tal sentido no Serviço do Professor Luiz V. Décourt em São Paulo. 

 

Subnutrição e defesas imunitárias

A alta letalidade e os elevados índices de mortalidade por doenças infecciosas e parasitarias entre subnutridos indica uma defesa deficiente do organismo ante esses agressores. Numerosos estudos realizados nesse campo demonstram que o mal-nutrido apresenta depleção de linfócitos T e atrofia do sistema linfóide, responsável pela deficiente resposta aos patógenos. Os linfócitos B sofrem, indiretamente, essa depleção de linfócitos T, não havendo, todavia, no mal-nutrido, maiores repercussões na imunidade mediada por anticorpos. 

 

Deve-se acrescer que, no mal-nutrido, ocorre uma elevação do cortisol plasmático, fator imunodepressor que agrava a deficiência imunitária decorrente da depleção de linfócitos T. Também vários patógenos são conhecidos como imunodepressores, como o plasmódio da malária, os vírus da rubéola e do sarampo, o vírus E.B. do linfoma de Burkitt e o bacilo da lepra. 

 

Acreditamos que a imunização em massa pelo BCG intradérmico ou percutâneo, em populações de mal-nutridos, irá, certamente, melhorar o estado imunitário e as defesas inespecíficas desses indivíduos, de modo a baixar os índices de morbidade e letalidade para inúmeras doenças infecciosas, parasitárias e, inclusive, neoplásicas. 

 

Estado psíquico e defesas imunológicas

Os prolongados períodos de depressão psíquica assim como stress contínuo da vida moderna atuam, através de liberação de substâncias imunodepressoras (ex. cortisol), no sistema de defesa imunológica, diminuindo-a em graus e períodos variáveis. Corrigida a causa primária, o indivíduo é considerado fora do estado de “grande risco”. Enquanto perdurarem os fatores imunodepressores de origem psíquica, o indivíduo poderá contrair mais facilmente uma das inúmeras doenças de que fizemos menção, o que aconselha uma imunoestimulação inespecífica enquanto se aguarda pelos resultados da terapia psiquiátrica para debelar a causa psíquica primária. 

 

Idade e sistema imunitário

Com o envelhecimento, mais nitidamente após os 65 anos, ocorrem uma depleção de linfócitos T, enquanto, concomitantemente, se observa um aumento de linfócitos B no sangue periférico. Tal fenômeno seria responsável pelo aumento de doenças auto-imunes na velhice (aumento dos anticorpos auto-imunes secretados pelos linfócitos B). A depleção de linfócitos T explicaria o aumento de incidência de neoplasia e doenças degenerativas. 

 

Gravidez e imunidade

Na gravidez ocorre o chamado ”silêncio imunológico dos vivíparos”, condição esta indispensável para que não ocorra a rejeição do feto (abortamento). É fato conhecido, e de longa observação, que a gestante, em conseqüência dessa imunodepressão fisiológica, apresenta evolução desfavorável das neoplasias, tuberculose, hepatite, toxoplasmose, poliomielite. Em contrapartida, as gestantes que padecem de doenças em que a imunodepressão é desejável apresentam uma melhora do quadro clínico durante a gestação. 

 

É ainda um campo aberto à pesquisa o “silêncio imunológico dos vivíparos”. No momento, apenas podemos proteger melhor a gestante contra doenças em que é suscetível, ou mais vulnerável, de acordo com as circunstâncias epidemiológicas do seu co-ambiente. 

 

 

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